Emulsão
lipídica (EL) a base de óleo de peixe (OP), rica em ácidos graxos
poli-insaturados ômega-3, está disponível na prática clínica para infusão
endovenosa. Seu uso pode contribuir para o tratamento de doentes críticos por
preservar funções imunológicas e atenuar parcialmente alguns aspectos da
resposta inflamatória sistêmica, comuns nessa população de pacientes (1).
Mayer
e colaboradores estudaram a infusão parenteral de EL padrão de óleo de soja
comparado a EL de OP durante 10 dias em pacientes com choque séptico. No grupo
OP houve redução sérica da proteína inflamatória de fase aguda, a proteína
C-reativa (PCR), e aumento do mediador anti-inflamatório leucotrieno B5 (LTB-5)
em neutrófilos (2). Posteriormente, na mesma população de pacientes, Mayer
mostrou que na infusão de OP por apenas 5 dias, a produção de mediadores
inflamatórios como fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α), interleucinas (IL)
inflamatórias, como as IL-1, IL-6 e IL-8 não aumentaram em células
mononucleares estimuladas por endotoxina (3). Com estes achados, os autores
concluíram que a infusão de OP em doentes críticos participa da modulação
favorável de processos inflamatórios e, por tal efeito, pode estar associada a
melhorias clínicas.
Com
o intuito de avaliar o efeito clínico da infusão de OP em pacientes em unidade
de terapia intensiva (UTI), Heller e colaboradores estudaram doentes com sepse
abdominal, politrauma e traumatismo craniano suplementados com diferentes doses
desta EL. Foi demonstrado que pacientes que receberam dose > 0,05 g de
OP/kg/dia reduziu o uso de antibioticoterapia e o tempo de internação na UTI. A
mortalidade foi reduzida somente em pacientes que receberam dose > 0,1 g de
OP/kg/dia. Neste estudo deve ser considerado que o número de pacientes avaliados
e o método não cego podem tornar difícil a interpretação destes achados (4).
O
benefício do uso de OP em pacientes críticos pode ser reforçado pelos
resultados encontrados no trabalho de Wang publicado em 2008. Pacientes com
pancreatite aguda grave receberam EL de óleo de soja ou suplementada com OP por
5 dias. Embora não encontrada diferenças entre os grupos com relação aos
marcadores inflamatórios, houve diminuição da ocorrência de infecções e do
tempo de internação na UTI, melhora da troca gasosa e menor necessidade de
terapia renal contínua em pacientes que receberam OP (5).
Em
contrapartida, no estudo de Friesecke e sua equipe publicado no mesmo ano, não
foram encontradas diferenças entre o grupo padrão e grupo suplementado com OP
por 7 dias ou mais em pacientes de UTI em vários desfechos, incluindo os
marcadores imunológicos, marcadores inflamatórios, ventilação mecânica,
incidência de infecções, tempo de internação e mortalidade (6).
Recentemente
pesquisadores chineses realizaram um estudo randomizado, duplo-cego, placebo
controlado em pacientes críticos com sepse grave com o objetivo de comparar o
uso de EL padrão com EL suplementada com OP durante 5 dias.
Todos
os pacientes mostraram uma redução significativa dos escores de gravidade da
doença, como APACHE II e III, alem de SAPS. Estes escores foram avaliados do
terceiro ao sétimo dia do início do estudo, porém sem diferença significativa
entre os dois grupos. Neste estudo, somente no grupo suplementado com OP foi
identificada a diminuição favorável dos níveis de procalcitonina, hormônio
utilizado como marcador de gravidade da sepse. Entretanto, a redução do tempo
de internação na UTI não foi significativa entre os grupos (7).
Até
o momento, os principais benefícios da suplementação parenteral de OP em
pacientes críticos podem incluir melhora do escore de gravidade na sepse,
redução de infecções, do tempo de internação na UTI, e, em alguns estudos
melhora da oxigenação, redução do uso de antióticos e da mortalidade. No
entanto, os estudos disponíveis na literatura ainda são escassos e a
inconsistência de alguns resultados podem tornar as conclusões contraditórias.
Novos estudos randomizados placebo controlados, que considerem a
heterogeneidade de estados críticos e diferentes doses e tempo de suplementação
do OP nestes pacientes são necessários.
Priscila
Garla
Nutricionista
especialista em Terapia Intensiva Multidisciplinar pela FAMEMA e Mestranda em
Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP
Referências
bibliográficas:
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2.
Mayer K, Fegbeutel C, Hattar K et al. W-3 vs. W-6 lipid emulsions exert
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3.
Mayer K, Gokorsch S, Fegbeutel C et al. Parenteral nutrition with fish oil
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diagnosis-related clinical outcome. Crit Care Med. 2006; 34: 972–979.
5.
Wang X, Li W, Li N et al. Omega-3 fatty acids supplemented parenteral nutrition
decreases hyperinflammatory response and attenuates systemic disease sequelae
in severe acute pancreatitis: a randomized and controlled study. JPEN J
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6.
Friesecke S, Lotze C, Ko¨hler J et al. Fish oil supplementation in the parenteral
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Intensive Care Med. 2008; 34: 1411–1420.
7.
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