Uma hora ele é indicado para
estimular o foco e a atenção. Depois, vai ao banco dos réus por causar
alucinações. Esclarecemos esse e outros contrassensos associados à bebida
preferida dos brasileiros.
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Quando se afirma que o café é a bebida mais popular
em território verde-amarelo, acredite, não é mera força de expressão. Na última
Pesquisa de Orçamentos Familiares divulgadas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), foi constatado que o brasileiro toma de 4 a 5
xícaras todos os dias, o que leva o líquido à base do fruto do cafeeiro a
liderar a lista que avalia a média de consumo per capita de vários alimentos.
Só para ter uma ideia, o feijão e o arroz, outros itens comuns à nossa mesa,
ficaram em segundo e terceiro lugar, respectivamente. No resto do mundo, o
consumo também surpreende. Enquanto aqui cada pessoa ingere cerca de 6 quilos
do grão por ano, em países nórdicos, como Finlândia, Noruega e Dinamarca, esse
número chega aos 13 quilos anuais.
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Aqueles que cultivam esse hábito mandam para dentro
do organismo uma série de substâncias. Entre elas sobressai a cafeína, célebre
por sua ação estimulante. Mas o que aparece em maior quantidade no pequeno grão
é os ácidos clorogênicos, compostos antioxidantes. A xícara ainda concentra
vitamina B3 e minerais como potássio, manganês e ferro. Tal combinação vem à
tona constantemente nos laboratórios de cientistas planeta afora. No universo
das pipetas e buretas, ela não é uma unanimidade. "Porém, a maioria dos
estudos confirma seus benefícios", diz Adriana Farah, cientista do Núcleo
de Pesquisa em Café Professor Luiz Carlos Trugo, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Fato é que o pretinho básico de todas as manhãs segue
gerando contradições — as mais curiosas você conhece abaixo.
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Na mira da ciência
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Veja outros estudos recentes que avaliaram o
impacto da bebida na saúde
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Fertilidade
Segundo cientistas do Hospital Universitário
Aarhus, na Dinamarca, mais de cinco doses diárias de café reduzem em 50% a
chance de sucesso no tratamento de fertilização. "Ainda não há estudos
clínicos comprovando o efeito", avalia Adriana Farah. "Mas alguns
trabalhos relacionam um alto consumo de cafeína, como acontece nos países
nórdicos, à malformação fetal", completa.
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Câncer de pele
Depois de acompanhar mais de 110 mil pessoas por 20
anos, pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, descobriram
que o café está inversamente associado ao tipo mais comum de tumor de pele.
"Qualquer alimento antioxidante, caso do café, pode auxiliar na prevenção.
Mas é cedo para indicá-lo com essa finalidade", analisa a dermatologista
Flávia Addor, da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
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Expectativa de vida
Uma investigação do Instituto Nacional do Câncer,
nos Estados Unidos, mostra que beber de 3 a 4 xícaras faz você viver mais — o
ganho na expectativa de vida é de 10% para homens e 13% para mulheres. "O
resultado não surpreende. Afinal, o café é uma das maiores fontes de
antioxidantes na dieta", ressalta Adriana Farah.
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O café proporciona benefícios ao bebermos de 3 a 4 xícaras diárias
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Problemas no coração
As pesquisas que se dedicaram a analisar a relação
entre o café e a incidência de insuficiência cardíaca — condição em que o
coração não consegue bombear quantidade suficiente de sangue para o corpo —
sempre geraram dados discrepantes. Intrigada, a pesquisadora Elizabeth
Mostofsky, da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados
Unidos, decidiu conduzir uma revisão sobre o tema. Nela, foram avaliados mais
de 140 mil indivíduos, dos quais 6 522 mil tiveram o mal. “Percebemos que
quatro doses diárias de café diminuíram em até 11% o risco de ter o problema”,
conta a cientista. Os compostos bioativos da bebida — o destaque vai para os
antioxidantes — provavelmente estão por trás da benesse. “Ao afastar o diabete
tipo 2, eles também protegeriam contra essa doença cardíaca”, raciocina. Já o
consumo além da conta deixou o coração na corda bamba. E não é só o excesso que
abala o peito. Está comprovado que duas substâncias presentes no grão, o
cafestol e o kahweol, são capazes de elevar os níveis de colesterol no sangue,
quadro que pode ser o pontapé inicial para várias complicações
cardiovasculares. “Mas, quando se usa o filtro de papel ou o coador de pano
para preparar o café, consegue-se reter boa parte dessas substâncias”, ensina
Rosana Perim, gerente de nutrição do Hospital do Coração, na capital paulista.
Dilema resolvido.
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Tremores do parkinson
Quantas vezes você já ouviu alguém alegar que está
mais acelerado porque bebeu café? Isso acontece por causa da cafeína. “A
exposição à substância gera estímulos cerebrais, especialmente nas áreas que
controlam as atividades motoras e o sono”, explica a nutricionista Camila
Leonel, da Universidade Federal de São Paulo. Para um paciente com Parkinson,
doença caracterizada por tremores no corpo, é de supor que a cafeína piore o
quadro, certo? Errado. Em estudo realizado no Instituto de Pesquisa da
Universidade McGill, no Canadá, observou-se que ela ameniza o sintoma. Para
chegar ao achado, os cientistas acompanharam 61 pacientes. Enquanto uma parte
recebeu placebo, uma pílula inócua, a outra ganhou uma cápsula com 100
miligramas de cafeína duas vezes ao dia, por três semanas. Nos 21 dias
seguintes, o valor passou para 200 miligramas — dose encontrada em cerca de 2
xícaras de café. “A melhora motora entre aqueles que ingeriram a substância foi
semelhante à de remédios indicados na fase inicial da doença”, comenta o
neurologista Renato Puppi, coordenador da Associação Paranaense dos Portadores
de Parkinsonismo, em Curitiba, e um dos autores do trabalho. “O efeito parece
contraditório, mas a bebida só causa agitação em pessoas que não estão
acostumadas a consumi-la ou que exageram”, pondera. Na dose adequada, a cafeína
contribuiria para o funcionamento da dopamina — e é a falta desse
neurotransmissor que abre as portas para o Parkinson.
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Alucinações
Conhecidos por incitar a atenção, deixando-nos mais
preparados para cumprir as tarefas do dia a dia, o café ganhou a inusitada fama
de alucinógeno na Universidade La Trobe, na Austrália. Isso aconteceu depois
que os estudiosos recrutaram 92 voluntários e os submeteram a altos ou baixos
níveis de estresse e consumo de cafeína. Depois, eles foram orientados a
escutar uma mistura de sons e avisar cada vez que ouvissem determinada música.
Detalhe: a canção nunca foi tocada. Só que as pessoas mais apreensivas ou com
bastante cafeína na circulação — o correspondente a mais de cinco doses de café
— se mostraram bem propensas a cair na pegadinha. “Alguns estudos relatam que o
estresse contribui para a liberação de cortisol, hormônio que favorece
experiências alucinatórias. E isso parece ser potencializado ao ingerir
alimentos estimulantes, como o café”, informa a nutricionista Mônica Pinto, da
Associação Brasileira das Indústrias de Café, a Abic. “Mas esse efeito só
acontece quando se exagera na cafeína”, declara. Para a especialista, é
importante evitar o uso desenfreado de qualquer item. “A noz-moscada usada como
tempero, por exemplo, não é prejudicial. Mas, se você comer uma inteira,
alucinará por dias.” Consumido com moderação, o café só tende a auxiliar na
concentração e na capacidade de aprendizagem.
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Dor de cabeça
Está aí um tópico que rende pano para mangas.
Geralmente, a confusão começa com a dificuldade de estabelecer se a bebida é
realmente o estopim da dor de cabeça ou se as pessoas que sentem o incômodo a veem
como válvula de escape. “Para esclarecer a dúvida, diminua aos poucos a
ingestão de cafeína, até tirá-la da dieta”, recomenda a pesquisadora Adriana
Farah, da UFrj. Lembre-se de que alguns chás e refrigerantes também carregam a
substância. Daí, se a dor não sumir, procure um médico. Em muitos casos, a
cafeína é a salvação. Prova disso é que está na fórmula de analgésicos.
“Algumas cefaleias são caracterizadas pela vasodilatação cerebral. Por deixar
os vasos mais estreitos, a cafeína pode atuar como coadjuvante no tratamento”
justifica a especialista.
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FONTE
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REVISTA SAÚDE